sábado, 18 de abril de 2020

O discurso organizacional: intenções corporativas e efeitos no sujeito.



RESENHA: ROCHI, C. C.; BANDEIRA, N.; MELO, J. S. M.; OLIVEIRA, R. D. O Discurso Organizacional: Constructo Sedutor para Apreensão de Talentos. Revista Espacios, vol. 37 (Nº17), Ano 2016 p 20, 2016.

Guilherme Augusto de Oliveira Freire

(1)          Contexto/problematização relacionado ao tema.

O artigo trata a respeito da atuação da gestão no que concerne à atração e retenção de talentos nas organizações. Nesse sentido, os autores problematizam o discurso e o modelo de apreensão de talentos adotados pelas empresas, apontando as tensões e os dilemas éticos presentes nas narrativas organizacionais que buscam atrair os profissionais. Eles ainda destacam a potência do discurso favorável às organizações e seus valores nas sociedades modernas, apontando as consequências desse quadro e as pressões infligidas ao indivíduo.

(2) Relevância e justificativa.

O artigo busca analisar as estratégias adotadas pelos discursos organizacionais, portanto, compreende-se que sua relevância encontra-se na exposição dos mecanismos e artifícios utilizados nos processos de seleção das empresas. Assim, a pesquisa empreendida justifica-se pela importância teórica, visto que a produção e a reprodução dos discursos acompanha sempre um conteúdo político e social que influencia a organização da sociedade.

(3) Problema de pesquisa, objetivo geral e específicos.

O artigo traz dois problemas de pesquisa, que estão relacionados entre si, para nortear sua discussão. São eles: “o homem está preparado para levar a extremos vitais as ressonâncias do ato ilocutório organizacional? O indivíduo se coaduna nesse dualismo desenfreado de conflitos substanciosos entre o discurso sedutor e as práticas permeadas no ambiente organizacional?”.
O objetivo geral do artigo é realizar uma análise do discurso organizacional voltado para a apreensão de talentos. São delineados três objetivos específicos: “(i) analisar o discurso organizacional e a modelagem de apreensão de talentos; (ii) categorizar o discurso da grande empresa no processo de contratação de pessoas; e (iii) avaliar as categorias de discurso e suas ressonâncias”.

(4) Referencial teórico.

Tópicos
Detalhamento
Autores
A organização como constructo performático
-Reflexão sobre o discurso organizacional e seus efeitos na realidade social e psíquica do indivíduo, destacando a posição de protagonismo das empresas na sociedade e sua capacidade de manipulação;
-Ambiente organizacional e contexto hipermoderno: forte enfoque no mérito pessoal e no esforço individual dos trabalhadores;
-Organizações como espaço de controle (formal e informal), seu discurso como ideológico e seus efeitos na realidade do sujeito.
Enriquez (1991; 1997; 2000; 2001), Prestes Motta (1991; 1992); Freitas (2000, 2006), Gaulejac (2007), Willmott (1993); Adorno e Horkheimer (1985); Althusser (2000), Takeuti (2002), Lapierre, (1989), Chanlat (2007).
O ato ilocutório da organização: uma instância narrativa de sedução
-Aprofundamento na narrativa construída pelas organizações e nas implicações do discurso ideológico organizacional como legitimador de um sistema normativo e de ação;
-Foco nos mecanismos utilizados pela narrativa da organização: eficácia, desempenho, produtividade;
-Adesão e defesa do homem organizacional aos valores e ideais da organização, tornando o sujeito fragmentado;
-Ato ilocutório: discurso dominante da organização para atrair talentos revela idealização dos grupos e sobreposição da identidade dos indivíduos.
Freitas (2000), Gaulejac (2007), Enriquez (2000), pagès et al. (1987), Chanlat (2007), Prestes Motta (1984; 1991; 2000), Sennett (2004).
Discurso organizacional: paradoxo da mãe protetora?
-Paradoxo organizacional: discurso da mãe protetora: a organização como benfeitora que ensina o caminho da “verdade”;
-Ideologia nunca é assumida: organização “apenas” segue “cobranças do mercado”;
-Servidão voluntária ou a adesão de todos: o indivíduo e o coletivo assumem para si a lógica apregoada pela gestão;
- Inconsistências entre o que é apregoado pelo discurso e o que é vivido na prática pelo indivíduo.
Amado (2000), Lipovetsky (2004),
Prestes Motta (1992),
Gaulejac (2007),
Vasconcelos e vasconcelos (2004),
Enriquez (2008).

(5) Metodologia.

Elementos da pesquisa
Detalhamento
Autores
Tipo de pesquisa
Exploratória e descritiva
-
Abordagem
Qualitativa
-
Método de pesquisa
Pesquisa teórico-bibliográfica e documental.
-
População/Amostra
Seleção de vinte maiores empresas transnacionais, em diversos segmentos da economia. Amostra intencional - cinco empresas transnacionais do setor industrial.
--



Unidade de Análise
Analisa a linguagem contida nos discursos das empresas transnacionais selecionadas - recorte temporal: maio 2013 a junho de 2014.
-
Unidade de Observação
--
-
Coleta de Dados
Publicações realizadas nos sites e materiais de divulgação das empresas.
Dinheiro (2012).
Análise de Dados
Análise de discurso
Van Dijk (2001), Fiorin (1993) E Orlandi (1999).

(6) Resultados.

As empresas analisadas foram aleatoriamente nomeadas como: Organização Alfa, Beta, Delta, Gama e Ômega. Dentre os resultados expostos, estão:
-Para a Organização Alfa: houve maior frequência nas Categorias A (compartilhamento ilocutório) e E (espaço de excelência) com aproximadamente 71,50%;
-Para a Organização Beta: Categoria D (organização aprendiz) com 83,33% e B (meritocracia) com 66,66% foram as de maior relevância, respectivamente;
-Para a Organização Delta: Categoria C (qualidade de vida), com frequência aproximada em 71,50% e Categoria A (compartilhamento ilocutório), com a frequência de 85,71% foram as mais representativas do discurso;
-Para a Organização Gama: predominância da Categoria D (organização aprendiz), com 100% das análises relatadas e, ainda, Categorias A (compartilhamento ilocutório) e E (espaço de excelência), com 80%;
-Para a Organização Ômega: maioria da Categoria A (compartilhamento ilocutório), com frequência constante de 100% nos discursos e Categoria E (espaço de excelência) com 83,33%.

(7) Considerações finais.

Os autores do artigo apontam, em suas considerações, que o discurso organizacional é construído a partir de uma estética que enfatiza o poder e a onipotência corporativa. Esse discurso constrói, portanto, uma perspectiva idealizada onde a organização é protagonista da excelência e o trabalhador é privilegiado por poder fazer parte dela. Eles expõem ainda que, nessa narrativa, a qualidade de vida ao trabalhador fica relegada ao segundo plano e que ganha ênfase a valorização da era do conhecimento. Por fim, conclui-se que o discurso construído no mundo corporativo é propositalmente formulado para seduzir e controlar os sujeitos, a fim de torná-los parte de sua dinâmica empreendedora.

(8) Apreciação crítica - duas perguntas.

O artigo traz considerações importantes a respeito do discurso organizacional. Mesmo tendo o enfoque na apreensão de talentos, ou seja, na seleção de profissionais pelas empresas, as reflexões realizadas têm implicações até mais amplas. A realidade da perda de referência de si mesmo, ou seja, a substituição dos valores do sujeito pelos valores da organização, discutida no artigo, têm grandes repercussões na construção da identidade e da ética do trabalhador. A adesão aos valores e a defesa desses valores por parte dos sujeitos sem a devida apreciação crítica por conta da força dos mecanismos manipulativos utilizados nas narrativas construídas pelas corporações é uma realidade com profundas implicações políticas e sociais no mundo atual. Seguem as perguntas:
-O artigo tem enfoque na análise do discurso organizacional de empresas do setor industrial para seleção de talentos, contudo, traz em suas considerações a percepção de que a narrativa construída extrapola simplesmente o objetivo de atrair profissionais. Em se tratando do discurso organizacional que as grandes corporações constroem no mundo capitalista, poderíamos inferir que certos valores corporativos (como meritocracia) estão se infiltrando na vida social? Quais as consequências disso?
-Se entendemos que o discurso organizacional atua na manipulação dos indivíduos a fim de impelir um sistema normativo e de ação, conforme destacam os autores do artigo, que leitura crítica podemos fazer da atuação e do papel das grandes corporações em projetos de cunho social?


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