SINGER, P. Capítulo I – Fundamentos. In: SINGER,
P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Editora - Fundação Perseu
Abramo, 2002, p. 7-23.
Conforme
Paul Singer expõe no capítulo inicial do seu livro, a economia capitalista caminha
na sociedade atual a passos largos e impõe seus fundamentos ao mundo objetivo e
ao mundo subjetivo. Com isso quero dizer que os valores expressos pelo
capitalismo já infiltram, de maneira profunda, a vida social e suas relações.
Por isso, o modo de vida dos sujeitos torna-se, cada vez mais, pautado pelo que
é central a esse sistema: a competitividade e o lucro. Se pensarmos no contexto
do trabalho e das empresas, nos deparamos com uma realidade em que quanto mais
competitividade houver, maior a produtividade dos empregados e assim, maior a
produção, gerando mais lucro para a empresa. Esse pensamento e suas intenções
são dominantes nesses ambientes, visto que a oportunidade do lucro (que se
fundamenta na exploração) nunca é negada e tal lucro repousa, majoritariamente,
nas mãos das hierarquias mais altas que detém sempre mais poder.
Do
ponto de vista do trabalho, essa realidade acaba sendo, na verdade, brutal. Por
mais que um trabalhador comum (que realiza as tarefas mais cansativas,
repetitivas e, por vezes, essenciais) cumpra suas funções da melhor forma
possível, ele estará apenas lutando para manter seu emprego (não ser demitido)
e receber a média de salário que sempre recebe, independente da produção. Enquanto
isso, quem ocupa as hierarquias mais altas (que realizam os trabalhos menos
repetitivos e cansativos), por serem tomadores de decisões e detentores do
poder, recebem cada vez mais pela produção dos trabalhadores comuns. Como o
autor nos mostra, essa forma de funcionamento é baseada na heterogestão, onde
os níveis de autoridade são limitados e a competitividade é encorajada a todo
custo. Nesse quadro, o trabalhador é reduzido a uma máquina que realiza certa
atividade repetitivamente, contudo, seu potencial humano e criativo é, em
geral, ignorado e até mesmo indesejado, já que pensar pode levar a criticar e,
nesses ambientes, isso é afastado a qualquer custo.
Paul
Singer discute os caminhos necessários para a constituição de uma economia mais
solidária que enfrente a desigualdade estabelecida pelo capitalismo e estimule
outros valores que não competição, por exemplo. Nesse sentido, o autor destaca
que a economia solidária preza pela igualdade e pela associação e que, por
isso, a cooperação entre todas as partes envolvidas é essencial. Em teoria, por
meio dela seria possível a busca pelo menor nível de desigualdades possível. Ao
tratar das experiências em empresas capitalistas e empresas solidárias, o autor
inclusive coloca em questão que em alguns casos, é inviável que a receita
obtida seja dividida igualmente (por qualificação e/ou para manter funcionários
imprescindíveis para a empresa). Neste caso, é defendido então que qualquer
desigualdade sirva de instrumento para impulsionar, sempre, os menos
favorecidos, ou seja, para continuar investindo na qualidade do ambiente do
trabalho, por exemplo.
Além
disso, outra diferença central seria a forma de organização das empresas.
Enquanto as empresas capitalistas insistem em um modelo de heterogestão, o
autor mostra que a tomada de decisões nas empresas solidárias funciona por meio
da autogestão. Assim, a empresa preza pelo contato e pelo diálogo, onde assembleias
e reuniões são feitas periodicamente com toda a empresa ou setores específicos
(que já se reuniram anteriormente) e as decisões são, então, tomadas
democraticamente. A preocupação central estaria voltada para atender aos
interesses coletivos. Portanto, não é apenas nos valores expressos por cada
tipo de empresa que elas se diferenciam, mas também em sua forma de organização.
De
tudo que foi dito, cabe ressaltar que as empresas, capitalistas e solidárias, servem
a propósitos completamente distintos. A questão que deve ser ressaltada é o que
se espera com. A empresa capitalista se mantém de um modo que reforça os
privilégios de poucos, em malefício da qualidade de trabalho e de vida de
muitos num modelo que retrata um abismo de desigualdades e exclusão. A economia
solidaria tenta aparecer como contraponto ou “alternativa”, buscando diminuir o
abismo de desigualdades, mas sofre por funcionar através de uma forma de gestão
difícil de manter e administrar (principalmente em grandes escalas) visto que
conseguir harmonizar interesses/necessidades em meio à diversidade de pessoas,
formações, personalidades e etc. é um grande desafio. Além disso, e talvez mais
importante, cabe salientar que a empresa solidária lida com a principal
dificuldade de prosperar em meio a uma sociedade em que a lógica capitalista
está completamente enraizada na individualidade, na economia e na cultura das
pessoas.