RODRIGUES, Maria Beatriz. Trajetórias de vida e de
trabalho flexíveis: o processo de trabalho pós-Braverman. Caderno EBAPE.BR,
Rio de Janeiro, v.12, n.4, 2014.
1)
CONTEXTO/
PROBLEMATIZAÇÃO
Muitas
mudanças ocorreram no processo de trabalho desde a publicação do livro
“Trabalho e Capital Monopolista” de Harry Braverman. No ano de 1973 ocorreu a
crise energética mundial que modificou as relações econômicas, comerciais e
como consequência, as produtivas e de trabalho. A crise encontrou grandes
empresas e conglomerados, com salários elevados e sindicatos fortes,
característica que as impedia de continuar com o mesmo tipo de estrutura e
competir em um mercado inflacionado. A indústria pós-Fordista representou uma
alternativa no momento de crise, por representar a busca por maior
produtividade com menos recurso, com relações mais diretas entre o trabalhador
e o produto do seu trabalho. O principal exemplo, é o Modelo Japonês ou
Toyotismo, que introduz conceitos como participação da mão de obra, produção
centrada em times, ou células de produção, ênfase no controle de qualidade e
melhorias em cada posto de trabalho.
Com
a prosperidade da indústria japonesa no anos de 1980 e 1990, o modelo foi
difundido no mundo como a melhor alternativa para introduzir novos critérios de
competitividade, requeridos pela globalização. Levando consigo grandes mudanças
nas relações de trabalho, com o uso da flexibilização de contratos onde há
convivências entre trabalhadores centrais para a produção e subcontratados,
concentrando esforços nas atividades-fim e terceirizando as atividades-meio. A
demanda por multifuncionalismo e multiqualificação coloca no centro a
flexibilização do trabalho, transformando em tema recorrente nas discussões em
ciências sociais há pelo menos três décadas.
2)
RELEVÂNCIA E
JUSTIFICATIVA
O que torna a
pesquisa relevante e a justifica é o fato dos autores terem convicção de que há
um aprofundamento no uso das formas de flexibilidade do trabalho como
estratégia produtiva, com consequências tanto para o trabalho quanto para os
trabalhadores.
3)
PROBLEMA DE PESQUISA,
OBJETIVO GERAL E ESPECÍFICOS
A
principal indagação da pesquisa refere-se aos impactos da flexibilidade nas
relações de trabalho desde o início da sua aplicação.
O
artigo parte de uma realidade conhecida, que é crescente a flexibilização do
mercado de trabalho, e discute as consequências dessas mudanças para a vida dos
trabalhos.
Para
atingir esse objetivo ele recorre a duas trajetórias de pesquisas, no Brasil e
na Itália, por representarem exemplos clarosda evolução pós-Braverman. A
discussão e baseada em experiências pessoais e profissionais na Itália desde
1988, assim como as trajetórias de pesquisa sobre as relações de trabalho no
modelo japonês de organização da produção desde o final dos anos de 1980 no
Brasil.
4)
REFERENCIAL TEÓRICO
Tópicos
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Detalhamento
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Autores
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Introdução
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Críticas e
reconhecimento sobre a influência do livro "Trabalho e Capital
Monopolista de Harry Braverman
O trabalhador flexível tem "vida líquida" Altos níveis de rotatividade, tanto o trabalho como o trabalhador parecem dercaráveis Análise de conteúdo Mudança significativa nos postos de trabalho no Brasil Na Itália cresce o uso da ferramenta de flexibilização do trabalho A flexibilidade exige mudanças constantes no estilo de vida do indivíduo |
Litter e Salamn
(1982)
Bauman (2005) Gonzaga (2003) Moraes (2003) Rodrigues (1991, 2001) Passalacqua (2007), Mariucci (2005), Fontana (2002) Bauman (2005) |
De Braverman ao
Pós-Fordismo
|
Críticas a
Braverman
Mudanças nas organizações, cisão entre propriedade e comando Organizações tornan-se mais complexas e mais "departamentalizadas" Braverman foi chamado de "coruja de Minerva" por olhar para a industria do passado Fordismo Modelo Japonês ou Toyotismo Trabalhadores centrais e trabalhadores periféricos Impactos no trabalho pós-fordista "Capitalismo flexível" e flexibilidade organizacional Mundo ocidental pós guerra fria é um mundo capitalista e liberal "Mudanças em aspectos íntimos da vida pessoal estão diretamente ligados ao estabelecimento de conexões sociais de grande amplitude" |
Meiksins (1996)
Braverman (1974) Janoski e Lepadatu (2014) Wood (1991) Graham (1996) Shonberger (1992), Oliver e Wilkinson (1998), Sayer (1986) Sennet (1999) Fukuyana (1992) Giddens (2002) |
Notas sobre a
flexibilização do trabalho no Brasil
|
As indústrias no
Brasil no século XIX/ XX
Desenvolvimento capitalista brasileiro Produção ou organização flexível Modelo "enxuto" de reestruturação da produção Rotatividade a despeito de leis que favorecem os trabalhadores em disputas trabalhistas Reestruturação produtiva das empresas brasileiras A flexibilização do trabalho e as mudanças complexas que atingem o estilo de vida do trabalhador Fim do trabalho Utilização de mão de obra atípica Classificação dos tipos de flexibilidade do trabalho |
Humphrey (1987)
Antunes (2006) Rodrigues (1991, 1993, 2001) Gonzaga (2003) Pochmann (2012) Ibid (p.2) Bauman (2005) Rifkin (2004) e Antunes (1995) Pochmann (2006), Kóvacs (2004), Noronha (2003), Mariucci (2005) Atkinson (1984), Atkinson e Meager (1986) Piccinini, Oliveira, Rubenich (2006) |
Trajetórias de vida
e de trabalho flexíveis no Itália
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A história do
trabalho flexível na Itália
Análise de conteúdo Dificuldade de planejamento de vida privada |
Tapia (2003)
Tapia (2003), Vasapollo (2006)
Moraes (2003) Istat (2006) |
Considerações
finais: Vivendo a vida flexível
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As empresas
flexibilizam e o esforço de se adaptar recai sobre o indivíduo
As caracteristicas do trabalho tradicional são alteradas ou deixam de existir no trabalho flexível Menor utilização dos postos de trabalho Diminuição dos postos de trabalho e aumento vertiginoso da produtividade no mundo Novas interprestações para o trabalho "Modernidade e vida líquidas" A mudança não se adapta nem às expectativas nem ao controle humanos Dificuldade de trajetórias pessoais mais definidas |
Sennet (1999)
Vasapollo (2006) Antunes (1995, 2006), Rifkin (2004), Sennet (1999) Rifkin (2004) Bauman (2005) Giddens (2002) Ibid (p. VIII) |
5)
METODOLOGIA
Elementos de
Pesquisa
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Descrição
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Autores
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Tipo de Pesquisa
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Descritiva
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-
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Abordagem
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Qualitativa
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-
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Método
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Estudo de caso,
pesquisa bibliográfica e documental
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-
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População
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Na Itália -
depoimentos de 1537 pessoas sobre experiências decorrentes da flexibilização
dos contratos de trabalho no país
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-
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Amostra
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Na Itália - foram
escolhidos 153 do total de depoimentos pelo significado concreto mas também
vivencial
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-
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Unidade de Análise
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Impactos da
crescente flexibilização nas relações de trabalho
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-
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Unidade de
Observação
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Trabalhadores do
Brasil e Itália
|
-
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Sujeitos
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Trabalhadores
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-
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Coleta de Dados
|
-
Para discussão no Brasil, foram utilizados dados de pesquisas sobre adoção do
modelo japonês de gestão em grandes empresas do Rio Grande do Sul, realizados
entre 1990 e 2001
- Para ilustrar o
caso italiano foi utilizado material empírico de um blog, proposto por jornal
de grande circulação nacional, que envolveu o depoimento de 1029 pessoas
sobre experiências decorrentes da flexibilização dos contratos de trabalho no
país
|
-
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Análise de Dados
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Análise
de Conteúdo
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Moraes (2003)
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6)
RESULTADOS
O estudo coloca os
desafios que a flexibilização leva para as relações de trabalho. O foco foi
analisar o depoimento de trabalhadores submetidos a contratos atípicos de
trabalho que encontram dificuldades no dia a dia da sua vida prática. Foi
verificado que esses trabalhadores sentem pouco representados pelos sindicatos
e desvalorizados em suas qualificações. Por outro lado os sindicatos demonstram
dificuldades em atingir esses trabalhadores que ficam isolados e pulverizados
entre muitas categorias. O Estado enfrenta limitações na decodificação dos determinantes
e das consequências da precariedade dos contratos. Esses desencontros levam a
vivência nas empresas de trabalho precário, sem perpectiva de futuro e com
grande insatisfação dos trabalhadores.
7)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As
empresas flexibilizam para se adaptar aos mercados e evitar a rotina
burocrática, porém esse esforço recai sobre os indivíduos, que precisam mudar
as formas conhecidas e seguras de trabalhar e se relacionar com o mercado de
trabalho.
Desde
o início do século a perda de postos de trabalho é uma questão que têm ocupado
a agenda dos países em vários continentes, a produtividade cresce e provoca
perdas nos postos de trabalho. O trabalho tem se transformado e exigido novas
leituras.A flexibilidade organizacional gera melhorias contínuas e o nível de
exigência é sempre atualizado, novas qualificações são requeridas e permanecem
novas por pouco tempo.
A
flexibilidade é parte de um processo lógico das relações de trabalho, uma
transformação gradual e decorrente de solicitações econômicas e sociais às
organizações e aos trabalhadores. A vida mudou de forma drástica e as garantias
de estabilidade desapareceram. Como consequência temos a redução do número de
trabalhadores diretos com a escolha das empresas recaindo nos contratos temporários
e os trabalhadores impactados nas suas trajetórias de vida.
8)
APRECIAÇÃO CRÍTICA
A flexibilidade
trouxe mudanças importantes nas relações de trabalho e sobre o trabalhador
recai o maior ônus e o desafio de se adaptar a essa nova realidade. Esse
trabalhador agora precisa se reinventar e se aperfeiçoar constantemente para
estar apto ao mercado.O lado perverso da flexibilização é a dificuldade do
trabalhador em definir seus objetivos pessoais e zelar pela sua subsistência.
A flexibilidade pode
criar novos postos de trabalhos, mas até que ponto o trabalhador deve se
sujeitar a esse tipo de colocação com garantias mínimas e redução de
direitos?
É possível pensar em
modelo de flexibilização que atenda aos objetivos da organização mas que possa
também trazer benefícios ao trabalhador?